Soberano espanhol (1556-1598) e Rei de Portugal e dos
Algarves daquém e dalém-mar em África (1580-1598) nascido na cidade
espanhola de Valladolid austero e frio, que se acreditava designado por
Deus para preservar a religião católica entre os súditos. Filho do
imperador Carlos V e de Isabel de Portugal, foi preparado pelo pai na
sua formação política e o fez colaborar em tarefas de governo. Viajou
pela Itália, Alemanha e Países Baixos (1548-1551) e com a abdicação do
pai (1556), herdou o trono da Espanha e seus domínios coloniais: o
Milanês, a Sicília e a Sardenha, Nápoles, o Franco-Condado e os Países
Baixos. Em guerra contra a França, obteve vitórias nas batalhas de
Saint-Quentin (1557) e Gravelines (1558). Casou-se quatro vezes, sempre
por conveniência dinástica, primeiro com a prima Maria de Portugal, que
morreu prematuramente em circunstâncias obscuras.
Em seguida desposou Maria I Tudor, pelo que adquiriu supostos
direitos à coroa da Inglaterra (1554), porém o projeto de união pessoal
dos dois países falhou com a morte de Maria (1558), antes de ter tido um
filho seu. A terceira de suas mulheres foi Isabel de Valois
(1545-1568), filha de Henrique II da França, com quem se casou após a
celebração do Tratado de Cateau-Cambrésis (1559) que terminou com a
guerra de sessenta anos com a França, sendo esse casamento também parte
do processo de pacificação. A última esposa foi Ana da Áustria, filha de
Maximiliano II e mãe do futuro rei Filipe III.
Ocupou o majestoso palácio El Escorial, que mandou construir na serra
de Guadarrama, e trabalhou sozinho nas questões de estado, entre elas a
luta contra o protestantismo. Para cumprir a missão que Deus "lhe
dera", a de preservar a religião católica entre os súditos, não hesitou
em agir com rigor e lançar mão de poderes discricionários, como o
tribunal da Inquisição que fez restabelecer em Flandres, sob controle do
duque de Alba. Combateu e obteve uma significativa vitória contra os
turcos no Mediterrâneo, na batalha de Lepanto (1571) na qual tomou parte
o escritor Miguel de Cervantes.
Na península ibérica, completou a obra de unificação iniciada por
Fernando e Isabel, após a morte (1580) do Cardeal-Rei D. Henrique. Após
luta armada com seu primo D. Antônio, anexou Portugal e territórios
ultramarinos às suas já vastas possessões, pois descendia do rei Manuel
I, através da sua mãe, a princesa Isabel de Portugal, filha do rei D.
Manuel. Seguidor da política imperial de Carlos V, envolveu-se em muitas
outras lutas externas que o levaram a desgastar e minar os recursos
financeiros e militares da Espanha, como no caso em que interesses
religiosos e comerciais levaram-no à luta contra a Inglaterra, da qual a
Espanha saiu humilhada com a destruição da Invencível Armada (1588).
Governou com estrito controle pessoal sobre os conselhos e
secretarias e, assim, mostrou sua falta de habilidade para distinguir o
importante do trivial e a incapacidade de decidir com rapidez sobre
questões importantes. Exemplo de monarca absolutista, o seu governo foi
exercido com base em uma administração fortemente centralizada, marcada
por um rigoroso fiscalismo, e morreu no palácio El Escorial, um dos mais
importantes monumentos da Espanha erigido durante seu governo, perto de
Madrid. No plano religioso, recorreu à Inquisição contra o
protestantismo em seus domínios.
FILIPE II, O REI COMIDO POR PIOLHOS
Houve e há muita coisa
pavorosa neste mundo, e não é dos horrores menores a doença atribuída a
Filipe II, o prudente, que morreu mais ou menos comido por piolhos. Há
testemunhos de sua agonia descritos por Cervera de La Torre, frei Diego
de Yepes, que foi seu confessor; além de autores estrangeiros como frei
José de Siguenza, na terceira parte de sua "história de la orden de San
Jeronimo", Salazar de Mendonça em fins do século 19 e do clérigo
Fernandez Montana.
À princípio cogitou-se a
hipótese da geração espontânea, mas no mesmo século Pasteur destruiria
tal mito, estabelecendo que os piolhos e outros parasitas surgem do
contágio prévio e nunca espontaneamente. Nem sequer os micróbios, ainda
que infinitamente pequenos, nascerão no corpo humano de modo espontâneo.
Assim conta Dom Alfonso
Danvila y Burguero em sua obra "Don Cristóbal de Moura, primer marquês
de Castel Rodrigo", que é difícil imaginar um conjunto de misérias e
provações como as que teve que suportar o filho de Carlos V durante os
53 dias, que foi quanto durou sua última enfermidade.
Filipe II foi obrigado a
permanecer no leito, sem se mover, coberto de feridas, uma das quais
começava no peito "supurando sem cessar, nausebundos humores". O rei
sofria dor contínua e intensa; por último, invadiu-o uma legião de
piolhos, "que nascidos de suas próprias feridas antecipavam em vida a
podridão de seu corpo". Estando o rei nessa miséria, fugiram todos os
áulicos tomados de horror. Ficou somente junto dele o Conde de Castel
Rodrigo, que sem demonstrar repugnância não abandonou o quarto, servindo
por sua própria mão os alimentos ao enfermo rei.
O protestante Agripa
D’aubigné, em suas "histórias" conta que, ao abrirem quatro abscessos no
peito do rei, os médicos ficaram aterrorizados, pois em vez de pus,
saiu uma enorme quantidade de piolhos. Tanta era a sua abundância, que
por mais que limpassem as feridas, os cirurgiões não conseguiam acabar
com eles.
Pfandl diz que o leito de
Filipe II fervia de piolhos. A lenda tecida em torno dos parasitas que
infernizaram os últimos momentos do rei foi muito difundida na época.
Dizia-se que a estranha moléstia se devia a maldição lançada pelos
Huguenotes contra "o demônio do meio-dia". Marañon, médico espanhol
insinuou que o rei padecia de uma enfermidade degenerativa, contraída na
sua juventude. Em apoio dessa teoria há o fato de Ter sofrido uma
erupção durante sua viagem de núpcias com a rainha Isabel de Valois. De
acordo com tudo quanto se escreveu a respeito, Filipe II até nos últimos
momentos deu provas de uma lucidez extraordinária. A tal ponto que o
padre Siguenza, discorrendo sobre a piedade de que deu mostras disse:
"podemos daqui por diante Ter cartilha e arte para ensinar a bem morrer,
somente lendo o que fez e o que disse em sua enfermidade e em sua
morte".
A ciência moderna contesta
que fôra gota como "causa mortis", doença que consta nos documentos de
óbito, pois a gota não daria origem as chagas a que aludem os
testemunhos da agonia. O padre Siguenza fala de hidropsia que
"juntando-se com a febre hética, fez que se lhe inchasse o ventre".
Também alude aos abscessos; conta que entre a manhã e a tarde três
escudelas de matéria podre saíram de dentro de seu corpo lhe causando
dores fortíssimas. Afirma Guido de Volterra, Toscano, que o médico que
assistia o rei desmaiou por causa do mal cheiro. Bralti nos diz que o
regime alimentar, tanto de Filipe II como de seu pai Carlos V, era
desastroso. Comiam uma quantidade extraordinária de carnes, fortemente
temperadas com os condimentos mais excitantes. Mas não parou na morte o
mistério. Acredita-se nos arredores do mosteiro do Escural onde ele está
enterrado, que, assim como o corpo de Carlos V permanece intacto, de
Filipe II não restam nem as cinzas. Acabou, desapareceu, desmanchou-se
em podridão e poeira, rapidamente, mal entregou a alma ao criador.
Pedira o rei que lhe
vestissem mortalha e que lhe pusessem ao peito, amarrada a uma corda,
uma grande cruz tosca, de madeira. Escrevendo "más luz de verdad
histórica sobre Filipe II el prudente" Fernandez Montana afirma: "eu vi,
aberto o sepulcro, a cruz inteira sobre o seu peito".
Afirma-se que Calvino o seco,
fanático e macerado perseguidor de Miguel Servet, chamado também o ogro
de Genebra, e que foi tão execrado, era uma criatura horrível. Devia
lembrar-se o povo de sua figura ascética, dos olhos ardentes, do rosto
anguloso e assim quinze dias após sua morte, já se falava no castigo
divino que sofrera: morrera de raiva, atado a uma estaca, como um
cachorro louco e, não tendo o que morder, mordia as próprias mãos e os
próprios braços. Surius autor de uma história universal, registrou que o
heresiarca padecia de "morbo pedicularis", isto é, de uma invasão de
piolhos. Honório, segundo rei dos vândalos, depois de haver perseguido
durante oito anos os ortodoxos, foi atacado pelos piolhos. Arnulfo,
imperador da Alemanha, e grande saqueador de templos, também morrera de
piolhos. De piolhos morreu Maximiano. De piolhos morreu Antíoco
Epífanes, o que lutou contra os macabeus.
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